quinta-feira, março 19, 2015

O mínimo que se deve fazer para uma interpretação bíblica coerente

Alguns amigos têm perguntado a respeito de meus procedimentos na interpretação de textos bíblicos. Segue abaixo um breve resumo de como trato o texto sagrado, que tem como objetivo chegar o mais próximo possível da verdadeira intenção do autor. 

Para uma interpretação bíblica mais coerente, sempre tentei contextualizar o texto/livro/perícope que será analisada. Inicialmente busco fazer uma tradução do texto original, criando um glossário para uma compreensão mais aprofundada do sentido das palavras, comparando algumas versões do texto para o português que considero relevantes. Na sequência procuro verificar o sitz im leben (pano de fundo, cenário, etc), levantando questões sócio-culturais importantes para os fatos narrados no texto e quais suas projeções ali. Tento, na medida do possível, inclusive, classificar o texto entre descritivo e prescritivo, procurando reconhecer o tipo de construção redacional (poético, histórico, mítico, etc), que possam provocar uma leitura mais apropriada para cada um.

Como regra básica, sempre compreendi que é importante não tentar decifrar o indecifrável, numa luta para adivinhar o que o autor do texto quis dizer além do que está escrito. Sempre tomando a interpretação mais óbvia como a correta e buscando sempre verificar a opinião de estudiosos renomados sobre o assunto, para efeitos de comparação. Conforme W. D. Chamberlain, "para interpretar contextualmente, há de se levar em conta o conteúdo geral de todo o documento, se ele é um discurso unificado. Então, o matiz de pensamento que circunscreve a passagem, pois que mui freqüentemente afeta ele o sentido dos termos a interpretar-se". Em algumas ocasiões, como por exemplo na interpretação de uma epístola, o seu "teor geral dita o sentido real da passagem". Sem esquecer também que a interpretação deve levar em conta a estrutura textual, verificando seu contexto imediato e seu contexto remoto.

Com isso creio estar suficientemente munido de informações para deduzir a intenção do autor em seu momento histórico, na transmissão daquilo que ele foi incumbido de fazer, interpretando o texto de forma contextual.

Algo de suma importância na interpretação de textos, consiste em envidar o maior esforço possível para uma leitura imparcial, livre de seus "pré-conceitos" adquiridos no contexto de sua própria cosmovisão. Não creio que qualquer indivíduo seja capaz de livrar-se totalmente de toda carga cultural absorvida em sua vivência, mas, acredito que, de posse das informações a respeito do texto e de seu contexto histórico, seja possível chegar bem próximo de poder enxergar o texto com os olhos do autor.

segunda-feira, março 09, 2015

Teologia e ação social

A Igreja de Cristo hoje é um exemplo do que ela não deve ser. Sua negligência diante da sociedade e da injustiça em nosso país e no mundo, preferindo ficar inerte entre as quatro paredes do templo discutindo temas bíblicos e, num comportamento escapista, insistindo na fé cristã como uma simples norma de conduta pessoal espiritualizada, — pois ignora aspectos econômicos, políticos e sociais e seus efeitos na desigualdade e na ampliação da miséria, — é contraproducente e está longe de ser condizente com os ensinamentos de Jesus. 

Para a promoção do envolvimento da Igreja em questões sociais, seriam necessárias atividades que não lhe são peculiares, mas, que fomentariam o conhecimento da realidade concreta em que as instituições cristãs deveriam se engajar. São atividades, debates e eventos públicos que tratem de todas as dimensões da sociedade onde temas relevantes para o cotidiano pudessem ser tratados e alinhados com uma conduta cristã adequada com relação a seu semelhante e com o meio-ambiente, tais como: Violência doméstica, exploração sexual e exploração sexual infantil, trabalho escravo, pobreza e desigualdade social, desmatamento e destruição das florestas brasileiras, água (desperdício e poluição), grilagem de terras, etc. 

Essa perspectiva de ação não é nova, é disso que se trata a “Missão Integral da Igreja”, que entre discussões e controvérsias que vêm desde 1974, em Lausanne, tem se preocupado com o envolvimento da Igreja em questões sociais concretas para o benefício da coletividade e não do indivíduo materialista pós-moderno. Assim como Cristo fez na sociedade em que viveu, envolvendo-se em todos os aspectos possíveis da vida daqueles com quem se encontrava. Fazendo-nos entender que, assim como em sua vida todos os eventos em que ele estava envolvido ocorria uma ação transformadora, a Igreja também pode ser agente de transformação do mundo sob sua orientação. Para a Igreja, nesse caso, ocupar-se com questões sociais é integrar o ministério de Jesus em relação à sua própria missão para com o próximo, agindo e ensinando a comunidade o caminho que devem seguir.

Assim como Jesus, a Igreja deve ser movida por compaixão pelos oprimidos, pelos marginalizados, pelo amor a justiça e a verdade. Como afirma o Pr. Ed René Kivitz: “A convocação da missão integral, enfim, envolve uma rendição completa ao senhorio de Jesus Cristo, para perdão dos pecados e recebimento do dom do Espírito Santo, a partir do que se passa a integrar um corpo, o corpo de Cristo, ambiente para a experimentação coletiva dos benefícios da cruz. É este corpo o responsável por transbordar tais benefícios ao mundo, como anúncio profético do novo céu e da nova terra. O caminho missiológico e pastoral da missão integral é afetivo – relacional, em detrimento de metodológico –; operacional; comunitário, em detrimento de institucional; devocional, em detrimento de gerencial”.

Se a Igreja passar a ter uma visão holística de seu ambiente, se tornará uma poderosa agente de transformação de fato, cumprindo com louvor o imperativo de Cristo para a salvação dos perdidos, para o crescimento do Reino e para a glória de Deus. Mas, para isso, precisa superar grandes desafios que impedem a sua unificação em torno desse mesmo objetivo.

Espiritualidade Cristã

Muitas coisas são ditas sobre "espiritualidade", mas, poucas realmente tratam do assunto com honestidade. Principalmente num país como o Brasil, onde tratamos experiências de fé questionáveis por um viés místico e milagreiro. Em minha opinião, se é que servirá para alguma coisa, não acredito em "novos modelos" ou novas ideologias a respeito do tema, acredito que a idéia mais prática e simples seja também a mais próxima do acerto.

Não vejo a espiritualidade como algum tipo de relação metafísica com várias dimensões do universo, mas, como um relacionamento natural entre criador e criatura onde os que nele crêem a manifestam “conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um”.

Uma vez instruído pelas Escrituras a respeito de condutas para com Deus e seu próximo, o cristão deve buscar maturidade no que tange a realização prática daquilo que se afirma crer, assumindo todas as responsabilidades com a humanidade e seu meio-ambiente, bem como com os demais seres vivos desse nosso universo.

À medida que avançamos com mais naturalidade na vivência de nossa fé, creio eu, estaremos mais “cheios” do pneuma divino, seremos, como afirma Paulo, “espirituais” (I Co 3.1) e não mais carismáticos.

Tal maturidade é, para mim, espiritualidade. E esse crescimento espiritual que deve gerar no homem o desejo de uma vida comunitária, solidária e fraterna, sem o abandono ou negação da individualidade.