sábado, agosto 22, 2009

CITAÇÃO

"A vida cristã de teólogos, igrejas e seres humanos se defronta hoje mais do que nunca com uma dupla crise, a crise da relevância e a crise de identidade. Essas suas crises são complementares. Quanto mais a teologia e a Igreja procuram tornar-se relevantes para os problemas atuais, tanto mais são lançadas na crise de sua própria identidade. Quanto mais elas buscam sustentar sua identidade nos dogmas tradicionais, nas noções morais corretas, tanto mais irrelevantges e desacreditadas elas se tornam".

Jürgen Moltmann
The Crucified God, Nova Iorque, Harper & Row, 1974, p.7.

quarta-feira, agosto 19, 2009

CRENÇA NO ARREBATAMENTO É COLAGEM DE TEXTOS BÍBLICOS, DIZEM ESPECIALISTAS

Reinaldo José Lopes Do G1, em São Paulo
16/03/09 - 15h14 - Atualizado em 16/03/09 - 15h14


Tentativa de harmonizar profecias apocalípticas data do século 19. Autores da Bíblia escreveram pensando em seu contexto imediato.



Cristo (no centro) julga os vivos e os mortos nesta pintura de
Michelangelo na Capela Sistina, no Vaticano (Foto: Reprodução)
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"Em caso de Arrebatamento, este veículo ficará desgovernado." Adesivos com esses dizeres podem ser vistos nos carros de evangélicos do mundo inteiro, inclusive no Brasil. A idéia é que, no fim dos tempos, os cristãos realmente fervorosos serão arrebatados (daí o nome) de corpo e alma para o céu, enquanto uma série de catástrofes naturais e políticas afetarão a Terra durante sete anos. Ao fim desse período, Jesus voltará como conquistador ao nosso planeta, derrotando o Anticristo numa grande batalha em Israel. Esse cenário épico é inspirado em várias passagens da Bíblia -- mas é preciso forçar consideravelmente a interpretação do texto sagrado para chegar a ele, de acordo com especialistas.

Em essência, a crença no Arrebatamento é uma colagem de trechos do Novo e do Antigo Testamento, cada um deles com perspectivas diferentes sobre o futuro da humanidade e o retorno glorioso de Jesus Cristo à Terra. "É uma tentativa de criar um mapa dos eventos futuros com base, por exemplo, no Apocalipse, no capítulo 13 do Evangelho de Marcos e na Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicenses", diz Paulo Augusto Nogueira, professor da pós-graduação em ciências da religião da Universidade Metodista de São Paulo.

De acordo com o americano Thomas Sheehan, estudioso do cristianismo primitivo e professor da Universidade Stanford, a ideia do Arrebatamento é relativamente recente. "Ela foi criada pela primeira vez no começo do século XIX, graças ao trabalho do pregador evangélico John Nelson Darby, e foi se tornando cada vez mais codificada ao longo do século XX, até chegarmos aos cenários detalhados que cristãos conservadores de hoje defendem", diz Sheehan. As chamadas igrejas cristãs históricas, como a Igreja Católica, a Igreja Anglicana e as várias igrejas luteranas, não adotam as mesmas crenças.


Anticristo contra o Rei Jesus

Sheehan resume da seguinte forma o cenário mais popular para os acontecimentos ligados ao Arrebatamento entre os evangélicos americanos. O primeiro evento envolve o surgimento do Anticristo, provavelmente um diplomata de grande prestígio internacional e membro da tribo israelita de Benjamim (um judeu, portanto). O Anticristo faz um acordo de paz com o estado de Israel, permitindo que o Templo judaico, destruído há quase 2.000 anos, seja reconstruído em Jerusalém. Ao mesmo tempo, um dos subordinados do Anticristo, um financista conhecido como o Falso Profeta, cria um sistema -- talvez um cartão magnético -- que unifica o planeta economicamente.

É nesse ponto que ocorreria o Arrebatamento. "Os verdadeiros cristãos - o que exclui católicos, episcopais e outros grupos mais moderados -- são arrebatados para o céu deixando até suas roupas", diz Sheehan. "Quem fica para trás, segundo essa visão, são os chamados cristãos mundanos, ou cristãos formais -- justamente os que não acreditam que o Arrebatamento iria ocorrer. Isso é muito típico da mentalidade sectária: só nós somos os detentores da verdadeira revelação", explica Nogueira.

Logo após os cristãos serem arrebatados, começam cerca de sete anos da chamada Tribulação, em que o mundo todo sofre com guerras, catástrofes naturais e genocídios. Traindo os judeus, o Anticristo coloca uma imagem de si próprio -- a chamada Abominação da Desolação -- no Templo de Jerusalém, profanando o local sagrado. No fim da Tribulação, Jesus volta à Terra montado num cavalo branco, à frente do exército divino, e derrota as forças do Anticristo numa grande batalha perto da localidade israelense de Megiddo -- é daí que vem a expressão "Armageddon", ou seja, "montanha de Megiddo".

"Após essa batalha, Jesus dará aos judeus uma última chance de aceitá-lo como seu Messias. Os que recusarem serão massacrados; os que seguirem Jesus farão parte de seu reino na Terra, uma Era de Ouro de grande prosperidade, saúde e paz, que durará mil anos", diz Sheehan. No fim desse período, o Demônio tentará atacar o reino de Jesus, mas será definitivamente derrotado, e "um novo céu e uma nova Terra" serão criados. Os mortos ressuscitarão e serão julgados de uma vez por todas.


Quebra-cabeças artificial?

Essa linha do tempo detalhadíssima tem dois pressupostos ocultos. O primeiro é que todos os textos bíblicos sobre o fim do mundo funcionam como peças, que têm de ser juntadas pelos cristãos para montar o retrato completo do Apocalipse. O segundo é que os autores bíblicos escreveram suas profecias de olho no futuro distante, prevendo eventos como o ressurgimento de Israel em 1948 ou a invenção dos cartões de crédito.

Ambos os pressupostos provavelmente estão errados. "É importante a gente reconhecer que há vários tipos diferentes de expectativa apocalíptica entre os autores do Novo Testamento", diz Nogueira, que é autor do livro "O que é Apocalipse" (Editora Brasiliense). "O único a realmente falar numa espécie de arrebatamento é Paulo, na Primeira Carta aos Tessalonicenses", afirma. Nas cartas realmente escritas pelo apóstolo Paulo (várias das que estão no Novo Testamento parecem não ser de autoria dele), o líder cristão não fala da Tribulação ou da batalha em Megiddo, mas parece ver o retorno de Cristo de forma simultânea com a ressurreição dos mortos e o arrebatamento dos fiéis ainda vivos.

"Já no Apocalipse, parece claro que os fiéis cristãos não são levados para o céu, mas passam por toda a Tribulação aqui mesmo na Terra", explica o especialista brasileiro. "E existem algumas tradições no Novo Testamento, como o Evangelho de João, que parecem não se preocupar com esses cenários apocalípticos. João fala diretamente em vida eterna para o fiel, sem uma perspectiva clara do retorno de Jesus."

Outro ponto importante é que as profecias cristãs, em especial as do livro do Apocalipse, têm relação direta com a realidade de perseguição que os fiéis do século I estavam enfrentando. É quase certo, por exemplo, que o misterioso número 666, associado ao Anticristo, seja apenas uma representação do imperador romano Nero, supostamente responsável por executar Pedro e Paulo entre os anos 64 e 67 de nossa era. Nos alfabetos hebraico, aramaico e grego, cada letra tinha um valor numérico, e a soma das letras do nome "Nero César" poderia chegar a esse valor, dependendo de como a conta é feita.

Também são feitas referências às sete colinas da cidade de Roma, entre outros elementos do império inimigo dos primeiros cristãos. Para Nogueira, todo o cenário de guerra que circunda o livro do Apocalipse indica que ele provavelmente foi escrito por cristãos de origem judaica, cuja comunidade ficou traumatizada com a destruição de Jerusalém pelos romanos no ano 70. "Quem não vê esse contexto imediato da narrativa desconsidera o primeiro leitor desses livros", resume ele.


Visão literal

Isso não quer dizer, porém, que os primeiros cristãos entendessem suas próprias esperanças apocalípticas de forma alegórica ou simbólica. "Em parte, a linguagem do Apocalipse é a do êxtase profético, mas eu não duvido muito que eles fizessem uma leitura literal dele. Até porque o livro coloca tudo em termos radicais -- ele não admite uma postura neutra", diz Nogueira.

Como, então, os cristãos modernos deveriam encarar as profecias apocalípticas sem cometer erros de interpretação nem anacronismos? "Essa é a grande questão", reconhece Nogueira. "Acho que podemos vê-las como a resposta de irmãos de fé diante da perseguição. E também como uma mensagem de esperança, que pode ter uma força muito grande." Seja como for, não custa nada levar em consideração a advertência do próprio Jesus, no Evangelho de Marcos, a respeito de quem deseja prever com exatidão o fim do mundo: "Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai".

Fonte: http://g1.globo.com/

sábado, agosto 15, 2009

O VOTO DE JEFTÉ

Dentre tantas dificuldades que temos na leitura da Bíblia, estão textos que parecem contradizer seus princípios essenciais. Um destes textos é o que trata do voto de Jefté, um dos juízes de Israel que faz uma infeliz promessa a Deus para que este lhe dê vitória sobre seus inimigos, opressores de seu povo. Eis o texto: E Jefté fez um voto a IAHWEH: ‘Se entregares os amonitas nas minhas mãos, aquele que sair primeiro da porta da minha casa para vir ao meu encontro quando eu voltar são e salvo do combate contra os amonitas, esse pertencerá a IAHWEH, e eu o oferecerei em holocausto’” (Juízes 11.30-31 – Bíblia de Jerusalém).

Para a infelicidade de Jefté a primeira pessoa que saiu a seu encontro foi sua única filha, festejando com danças a vitória de seu pai. Transtornado, Jefté rasga as suas vestes e angustiou-se profundamente explicando à sua filha o conteúdo de seu voto dizendo: “não posso recuar [no voto]” (BJ - v. 35).


Há uma enorme discussão, portanto, em torno deste voto. Se Jefté era um homem a serviço de Deus, sob a orientação de sua Lei, jamais poderia votar o sacrifício de um ser humano (Lv 18.21; 20.2-5; Dt 12.31; 18.10). Mas, não se deve atenuar o que está escrito com base em pré-concepções, ao contrário deve-se haver a maior clareza possível no trato do assunto para obtermos o ensinamento verdadeiro que o texto contém.


Tradução literal


Traduzindo direto do texto original temos:


“E votou Jefté um voto a YAHWEH dizendo: “Se me der dado os filhos de Amon voto: e será quem quer que seja que saia da porta de minha casa, ao meu encontro, quando voltar salvo do combate com os filhos de Amon será para YAHWEH eu oferecerei em holocausto”.


Versões conhecidas:


ARA – “30 Fez Jefté um voto ao SENHOR e disse: Se, com efeito, me entregares os filhos de Amom nas minhas mãos, 31 quem primeiro da porta da minha casa me sair ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amom, esse será do SENHOR, e eu o oferecerei em holocausto”.


ARC – “30 E Jefté fez um voto ao SENHOR e disse: Se totalmente deres os filhos de Amom na minha mão, 31 aquilo que, saindo da porta de minha casa, me sair ao encontro, voltando eu dos filhos de Amom em paz, isso será do SENHOR, e o oferecerei em holocausto”.


NVI – “ 30 E Jefté fez este voto ao Senhor: ‘Se entregares os amonitas nas minhas mãos, 31 aquele que estiver saindo da porta da minha casa ao meu encontro, quando eu retornar da vitória sobre os amonitas, será do Senhor, e eu o oferecerei em holocausto’”.


TEB – “30 Jefté fez um voto ao Senhor e disse: ‘Se verdadeiramente me entregas os filhos de Amon, 31 quem quer que saia das portas de minha casa ao meu encontro, quando eu voltar são e salvo do meio dos filhos de Amon, esse pertencerá ao Senhor e eu o oferecerei em holocausto’”.


BJ – “E Jefté fez um voto a IAHWEH: ‘Se entregares os amonitas nas minhas mãos, aquele que sair primeiro da porta da minha casa para vir ao meu encontro quando eu voltar são e salvo do combate contra os amonitas, esse pertencerá a IAHWEH, e eu o oferecerei em holocausto’”.


Nos exemplos acima somente a ARC traduziu hayâ hayotse como aquilo que”. As demais traduções, mais honestas a meu ver, fizeram a tradução correta tratando o objeto da frase como alguém e não como algo. O texto não se refere a “alguma coisa”, criando a possibilidade de que Jefté estivesse falando de um animal qualquer ou de “outra criatura” como afirmam alguns estudiosos. Pelo que está escrito fica muito claro que Jefté estava realmente falando de um sacrifício humano, sua tristeza deu-se pelo fato desta pessoa ser sua única filha. Enfim, o verso 39 diz: “Ao cabo de dois meses, voltou para junto de seu pai e ele cumpriu sobre ela o voto que pronunciara”. A palavra 'olah muitas vezes é traduzida como "um holocausto" ou “oferta queimada”. Quando o ofertante faz um 'olah, o sacrifício foi completamente queimado.


Uma versão contrária ao que estou dizendo é esta: “Jefté não sacrificou sua filha ao Senhor porque foi um homem piedoso, revestido pelo Espírito do Deus (Juizes 11:29). Desde que o Espírito Santo esteve sobre Jefté, não lhe seria permitido manchar suas mãos no sangue da sua própria criança; e especialmente embaixo da pretensão de oferecer um sacrifício agradável a Deus que é o Pai da humanidade, e a Fonte de amor, clemência, e compaixão”. A sua conclusão, então, é que Jefté não sacrificou sua filha a Deus, mas a consagrou para servir ao Senhor em um estado da virgindade perpétua. Esta visão é baseada nas palavras “ela nunca conheceu um homem” (v. 39). Então ela foi dedicada ou consagrada a Deus tendo que viver celibatária até a morte. É claro que a virgindade da filha de Jefté também traz grande peso ao entendimento do texto, mas, somente no que tange informar o quão infeliz foi aquela jovem morrer sem poder ter filhos. Isso era uma grande desgraça para as mulheres naquela época e lugar.


Não podemos amenizar o dilema moral em que Jefté se meteu alterando a tradução do texto conforme nos convém. Também não podemos transcender o conteúdo do texto, incluindo ali nossa “impressão”. É óbvio que isso dificultará uma explicação do fato de que um homem que é celebrado como “um herói da fé” em hebreus 11:32, fez um sacrifício humano a Deus. Sejamos honestos, o texto afirma que ele sacrificaria mesmo uma pessoa. Lembremos-nos também que a moralidade não era o forte de Jefté:


Juízes 11 - ARC


1 Era, então, Jefté, o gileadita, valente e valoroso, porém filho de uma prostituta; mas Gileade gerara a Jefté. 2 Também a mulher de Gileade lhe deu filhos, e, sendo os filhos desta mulher já grandes, repeliram a Jefté e lhe disseram: Não herdarás em casa de nosso pai, porque és filho de outra mulher. 3 Então, Jefté fugiu de diante de seus irmãos e habitou na terra de Tobe; e homens levianos se ajuntaram com Jefté e saíam com ele”.


Jefté votou um sacrifício humano porque isso era comum em seu tempo, só que para pagãos (Moloque é um exemplo disso). Em sua ignorância completa da Lei, sendo ele marginalizado em sua terra, Jefté optou em oferecer a Deus o que ele aprendera que lhe seria mui caro – certamente ignorando o fato de que essa oferta poderia ser sua filha (v 35).


Vejo que, no final, o foco desta narrativa não está sobre o sacrifício da filha de Jefté, mas, da irrevogabilidade do voto feito a Deus. Uma vez feito o voto, não era possível tornar atrás. Para a sua época o texto traz a lume a responsabilidade de um povo que foi feito representante de Deus na terra, porta-voz de sua majestade e demais atributos divinos. Como a igreja hoje é plenipotenciária da mesma mensagem e conduta: “Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não, porque o que passa disso é de procedência maligna.” (Mateus 5:37).


Talvez, com uma conclusão tão miúda, se possa achar este pensamento um tanto simplista, portanto, quero lhe instigar a analisar o que digo a respeito do voto na Lei, na época de Jefté. Certamente será uma agradável pesquisa.

quarta-feira, agosto 05, 2009